Nossos leitores sempre tiveram muitas dúvidas e curiosidades sobre a carreira e rotina de um comissário de bordo de uma grande companhia aérea, por isso elaboramos algumas perguntas e convidamos o Dominik Düring, que é alemão e comissário há 10 anos da Lufthansa, uma das maiores e mais renomadas companhias aéreas do mundo.
Vamos conferir?
Como você se tornou comissário da Lufthansa?
Bem, eu não tinha muita certeza do que queria estudar depois do colégio, e não queria fazer faculdade sem saber realmente o que queria estudar. Então um amigo que era comissário da Lufthansa me contou sobre o trabalho dele e então eu resolvi testar e entrei para Lufthansa. Gostei tanto que até hoje continuo voando e adoro o que faço.
Há quanto tempo trabalha na empresa?
Já tem 10 anos que trabalho na Lufthansa. Eu adoro o que faço desde a primeira vez. Claro que às vezes há dias chatos e não tão tranquilos, mas no geral tudo é muito bom e eu realmente amo meu trabalho.
Quanto tempo de treinamento é necessário até poder tripular um voo?
8 semanas, mas não consecutivas. Na primeira parte o curso é por Internet e depois você é treinado em Frankfurt e aprende tudo que precisa saber sobre comissário de bordo, sobre a companhia Lufthansa e todos os detalhes desde como servir, os tipos de serviços das diferentes classes, os cuidados com cada uma, o que fazer em casos de emergência. É um treinamento bem completo e importante.
Quais são os requisitos básicos para ser um comissário de bordo?
Você precisa amar lidar com pessoas, pois estará trabalhando todos os dias em contato direto com elas. Ter um determinado planejamento/programação, precisa gostar de conhecer diferentes países, diferentes culturas, línguas e não se importar também que não voltará logo para casa algumas vezes. O básico e mais importante mesmo é você gostar de lidar com pessoas.
Quantos idiomas você fala?
Sou alemão, então claro que falo alemão, além disso falo inglês, espanhol e comecei a aprender japonês para saber algumas palavras e expressões, pois vamos com frequência para o Japão. Aprender japonês é bem difícil. Português e francês, por exemplo, sei apenas poucas palavras e expressões como: Oi, tudo bom? Como vai você? Bom dia, boa tarde, boa noite. O que gostaria de beber/comer? Até logo. Muito obrigado.
E ficar longe muito tempo da família, é difícil?
Quando você começa esse trabalho, já sabe que será assim, então você se acostuma. Claro que algumas vezes é difícil, pois não estará em casa sempre e algumas vezes passa semanas ou meses fora e perde aniversários de pessoas queridas, festas, comemorações, mas faz parte da profissão, que como tudo na vida tem prós e contras. O bom é que depois do trabalho você tem dias de folga em casa para aproveitar ao máximo, sem nenhuma obrigação.
Quais os lugares que conheceu devido a sua profissão?
Muitos, muitos mesmo! Exceto Austrália e Nova Zelândia, onde a Lufthansa não voa. Pode contar com praticamente todos os países da Europa, além de Estados Unidos, México, Canadá, Brasil, Argentina, Colômbia, Japão, China, Macau, Índia, Nigéria, África do Sul, entre outros países. Preciso fazer essa conta com calma!
Qual foi o que mais gostou?
Muito difícil de dizer, pois todos os lugares que conheci teve algo que gostei, cada canto com alguma coisa especial e encantadora, então não dá para falar de um especificamente. Por exemplo, estive no Rio de Janeiro antes e na primeira vez era época de comemorações, peguei dias lindos e vi muitas pessoas alegres, adorei isso. Quero aprender português para aproveitar mais a cidade.
Qual lugar você gostaria de voltar com mais tempo nas suas férias?
O Brasil, mas não porque estou aqui e conversando com jornalistas brasileiros, mas eu realmente gostaria de conhecer melhor o Rio de Janeiro, além de conhecer outros lugares pelo Brasil, como Recife, Brasília, entre outros. Preciso aprender a falar português para isso, pois acho que falando a língua local a gente sempre aproveita mais do que o destino tem a oferecer.
E qual você não gostaria mais de voar ou voltar para lá?
Não tem nenhum país que eu não queira conhecer ou voltar. Obviamente tem alguns que não me empolgam e penso "ok, vamos para lá" e tem outros que você realmente fica feliz e empolgado de visitar.
Quantas horas de voo você já acumulou?
É difícil calcular o número exato, mas imagino que sejam entre 9 e 10 mil. Contando mais de 10 anos, 8 viagens por mês com mais de 8 horas cada, o cálculo deve ser em torno disso. Com certeza mais de 9 mil horas!
Das rotas que você já fez qual foi a sua favorita?
Outra pergunta difícil. Eu realmente gosto dos voos longos porque você pode interagir com os passageiros e saber um pouco sobre a vida deles, para onde estão indo e o que vão fazer naquele país.
Como disse, gosto muito de lidar com pessoas e sempre aprendo coisas novas. Obviamente é ótimo fazer rotas pela Europa, pois em sua maioria não são voos longos e cansativos, ou seja, não ficamos prejudicados com jet lag. O melhor é sempre alternar voos longos com voos curtos pela Europa.
Como é a rotina de um comissário da Lufthansa?
Eu preciso estar no aeroporto 1:40 minutos antes do voo para o briefing, mas eu particularmente gosto de chegar 1 hora antes desse período para ter tempo suficiente de me preparar, o que significa checar se o voo está lotado ou não, se tem algum passageiro que necessite de atendimento especial, se tem passageiros VIP e ter tempo para relaxar e comer antes do voo.
No briefing falamos sobre o serviço do dia. Primeiro sabemos quantos comissários serão em cada classe, em qual classe cada um trabalhará e o que será servido. Depois pegamos nossas bagagens, passamos pela área segura e embarcamos.
Temos um check-list grande para realizar ao chegar ao avião: se está limpo, se esqueceram algo, se as comidas estão a bordo (principalmente as especiais), se os amenities estão ok, se os equipamentos de emergência estão como devido, enfim, se tudo está funcionando perfeitamente.
Depois ficamos à disposição para ajudar os primeiros passageiros a embarcar, principalmente idosos e famílias com bebês e crianças pequenas, pois precisam de uma maior atenção.
Ao chegar ao destino ficamos na porta da aeronave para dizer adeus para todos os passageiros e depois checarmos novamente se algo foi esquecido no avião, o que é muito comum. Depois disso tudo estamos liberados para ir para o hotel e descansar.
Quantas horas você tem entre um voo e outro?
Existe uma regulamentação interna com regras para esse cálculo e obviamente temos que cumprir as leis da Alemanha, onde é a sede da empresa.
Além disso, depende muito da rota, do tempo de voo, do destino, se é voo diurno ou noturno. Em alguns dá para fazer algo entre os voos, mas em outros não. Dessa vez, por exemplo, terei cerca de 56 horas no Rio de Janeiro, o que é ótimo! Normalmente em muitas rotas temos 24 horas. Nós brincamos que, o que uma pessoa faz em 7 dias em um destino, nós precisamos ir 7 vezes ao mesmo destino para fazer, rs! Cada vez conhecemos algo novo, o que é mágico.
Sabemos que os hotéis que os comissários se hospedam são excelentes. Vocês conseguem aproveitar o que é oferecido?
Sim, com certeza. Claro que depende, mas geralmente temos tempo e aproveitamos sim a piscina, room service, academia, mas isso depende também do perfil de cada um.
Conte uma situação inusitada pela qual tenha passado a bordo e que foi inesquecível
Tive uma que foi a minha favorita e adoro lembrar dela. Não lembro a origem do voo, mas o destino final era Frankfurt e havia um grupo no avião voltando para casa após uma turnê, que estava interagindo entre eles e pedimos para que cantassem uma música. Antes do avião aterrissar começaram a cantar para a gente.
Foi algo muito bonito, uma situação emocionante. Realmente fantástico e nunca esquecerei desse dia.
Qual a orientação no caso de passageiros problemáticos?
Isso não acontece, pois não existem passageiros problemáticos e sim passageiros que exigem maior atenção do que outros. Então se eles têm algum problema, damos atenção e fica tudo bem.
Em qual classe de serviço você prefere trabalhar?
Todas as classes são especiais e um determinado tipo de trabalho para ser feito. Na Primeira Classe, claro, tem poucos passageiros e 2 atendentes (dependendo do voo e distância), então parece que é mais fácil, porém o serviço precisa ter uma atenção única, com atenção nas escolhas dos passageiros e você precisa estar atento a tudo nos mínimos detalhes. Essa é a parte difícil no trabalho. Na Classe Executiva também precisa ter cuidado.
A Classe Econômica, eu adoro, pois são muitos turistas, pessoas alegres por estarem indo para o destino ou voltando para casa sempre felizes.
Como é a divisão para quem trabalha em cada classe?
Existe um grupo especial, montado e treinado para cada classe. Todos os anos recebemos uma reciclagem da empresa sobre postura, por exemplo. Geralmente quem fica nos grupos com a Primeira Classe e Classe Executiva são os mais antigos na empresa, que tem mais experiência.
Como é o tratamento com crianças? O que vocês oferecem para elas?
Temos um monte de coisas para crianças e bebês. Em Frankfurt, por exemplo, temos family check-in em uma cabine especial onde as crianças podem ver, participar e recebem um boarding pass com design especial para elas.
Elas também possuem embarque preferencial. Para bebês há papinhas especiais em diversos sabores e berço. Para as crianças um pouco maiores há um cardápio especial, além de livros para colorir, quebra-cabeça, revistas, alguns brinquedos, chocolates, balas e canudos.
Existe também o JetFriends, o nosso clube Miles & More para crianças e adolescentes, onde eles podem aprender coisas fascinantes sobre aviação, viagens de avião e sobre a Lufthansa, aprendendo as suas vantagens.
Há algumas diferenças entre voos curtos e longos, as diferentes classes, e se saem da Alemanha, mas sempre podemos fazer muito pelas crianças. As famílias também adoram e agradecem.
Você já recebeu algum comentário indiscreto?
Não. Nada especial que eu me lembre, nada realmente indiscreto.
Quais as vantagens e desvantagens de ser um comissário de bordo?
Conhecer tantos lugares especiais no mundo, conhecer pessoas, culturas e aproveitar os hotéis. Sempre aprendo algo novo e diferente.
Uma das desvantagens é o jet lag e trabalhar às vezes à noite. A principal é ficar longe de pessoas que amamos e estar longe em algumas datas especiais. As vantagens são muito maiores e compensam. Não é à toa que estou há 10 anos nesse trabalho e amo o que faço.
Você consegue definir a Lufthansa em uma palavra?
Somente uma? Difícil. Já ouviu falar na campanha 5 estrelas? Já conseguimos o prêmio para nossa Primeira Classe e então estamos trabalhando duro para sermos 5 estrelas nas outras duas classes. Esse é o espírito da empresa.
Voltando às palavras, seria algo como qualidade e segurança, que são os pilares da empresa.
O que o passageiro pode retirar do avião (englobando as três classes de serviço)?
Basicamente os amenities, que são oferecidos para cada classe, pois são de uso pessoal. Cobertores, travesseiros, revistas ou materiais que são disponibilizados e obviamente equipamentos de segurança, devem ser deixados no avião.
Na Primeira Classe e Classe Executiva há equipamentos multimídia especiais que devem ser devolvidos também.
Quais os procedimentos da empresa no caso de algum passageiro com problemas graves de saúde durante o voo?
Nós realizamos um treinamento todos os anos para saber como agir nesses casos. Temos alguns medicamentos a bordo para crianças e adultos, além de um kit primeiros socorros.
Se alguém não está se sentindo bem não o deixaremos desamparado, mas obviamente não somos médicos e sim pessoas que tiveram um bom treinamento. Nos casos mais graves perguntamos se tem algum médico a bordo da aeronave, o que é muito comum. Juntos conseguimos agir da melhor forma em quase todos os casos.
Como ocorre a comunicação entre os comissários e o piloto/copiloto?
Normalmente funciona muito bem! Existem basicamente duas diferentes maneiras: a primeira é como se fosse um interfone interno que podemos usar a qualquer hora, como se fosse um celular. É a maneira mais fácil e mais usada. E a outra forma é irmos diretamente até a cabine deles, pois isso é permitido.
No caso de voos longos vocês são liberados para dormir? Qual a regra?
Sim, podemos. Temos um ambiente separado para descansarmos onde há camas. Os comissários são divididos em dois grupos que se revezam. Enquanto alguns descansam os outros dão a atenção que os passageiros merecem.
Sendo objetivo na resposta: podemos dormir nos voos longos.
Existe hierarquia entre os comissários? Ou todos possuem a mesma autoridade?
No voo não tem isso de hierarquia e todos são iguais, mas temos o que chamamos de Purser, que é o chefe de comissários a bordo do voo.
De acordo com tempo de serviço e experiência na Lufthansa os comissários podem escolher em que classe querem trabalhar: Business Class, Premium Economy o Economy Class.
Você pode me falar um pouco sobre as regras de uniforme e aparência física?
São muitas regras, pois representamos a imagem da empresa naquele momento. Existem algumas normas específicas para homens e mulheres e outras que são comuns aos dois.
As roupas devem estar sempre impecáveis e bem passadas. Os cabelos devem estar sempre cortados, arrumados e discretos. As unhas devem estar limpas e com boa aparência.
Tatuagens não podem ser visíveis (nada no pescoço e braços, por exemplo), assim como os piercings.
Para homens é permitido ter barba, por exemplo, mas tem que estar bem cuidada e não pode ser muito longa. Brincos são permitidos, mas apenas em uma orelha.
Para mulheres é necessário usar salto alto e estarem maquiadas, mas existem regras em relação as cores. As unhas e os cabelos devem estar arrumados e, se os cabelos foram longos, é necessário que fiquem presos.
Quando os comissários não estão voando existe alguma rotina de trabalho a ser realizada?
Depende. Algumas vezes temos treinamentos, mas não é sempre que isso acontece (primeiros-socorros, emergência e etc.). Muitas vezes também temos que ler alguns materiais em casa, pois pode haver mudança em algum serviço e temos que nos atualizar e aprender sobre o mesmo. Fora isso estamos livres para descansar e fazermos o que quisermos.
Obrigado pela entrevista Dominik! Agradecemos também a toda equipe da Lufthansa e desejamos muitas viagens e sucesso!
Entrevistadoras: Juliana Magalhães e Patrícia Lemos.
